Mulheres lideram veículos digitais independentes na América Latina, mas mudança ainda precisa chegar aos meios tradicionais


Este painel foi parte do 13º Colóquio Ibero-Americano de Jornalismo Digital que ocorreu em 2020. Veja este painel e outros daquele dia aqui.

Cerca de 40% dos meios nativos digitais na América Latina são fundados ou dirigidos por mulheres, disse Ana Arriagada, citando pesquisa do SembraMedia de 2018, durante o 13º Colóquio Ibero-Americano de Jornalismo Digital. Arriagada, cofundadora e diretora executiva do veículo chileno El Soberano, foi a mediadora do painel “Liderança Feminina em Meios na América Latina. Já é tempo!” em 25 de julho.

Ela afirmou que a liderança feminina nos meios nativos digitais na América Latina é “um dado muito alentador”, mas precisa ser colocado em contexto, já que a maioria desses veículos é de pequeno porte. As palestrantes no painel destacaram também que é preciso ir além desses meios e ampliar o número de mulheres em cargos decisórios nos veículos tradicionais na região.

painel "Liderança Feminina em Meios na América Latina. Já é tempo!
Painel “Liderança Feminina em Meios na América Latina. Já é tempo!, do Colóquio Ibero-Americano de Jornalismo Digital

A colombiana Isabel González, embaixadora do Chicas Poderosas Equador, diz que o ecossistema de meios na América Latina mudou completamente nos últimos dez anos.

“Hoje temos um montão de meios que, além de serem empreendidos e dirigidos por mulheres, também fazem uma aposta por uma mudança epistemológica ao se chamarem de jornalistas feministas ou meios feministas”, afirmou.

Segundo ela, esses meios ajudaram a colocar em pauta temas que eram secundários nas redações tradicionais, como o aborto e os feminicídios.

A equatoriana Dagmar Thiel, diretora do escritório da Fundamedios nos EUA, também destacou como assuntos relacionados a mulher são invisibilizados na imprensa tradicional ou tratados nas seções de cozinha e beleza, reforçando os estereótipos de gênero.

“Não se vêem mulheres como referências em temas de economia, ciência, como analistas políticas, ou que estejam gerando um modelo para as meninas e jovens que saia dos papeis tradicionais”, disse.

Para ela, tornar essa cobertura mais diversa passa necessariamente por ter mais mulheres em cargos de liderança na imprensa tradicional. “Isso não pode ficar relegado a esses meios fantásticos, esses 40% fundados por mulheres, que são meios digitais alternativos, com um público menor e não tradicional”, afirmou Thiel.

A mexicana Lu Ortiz, cofundadora da Vita-Activa.Org, diz que as jornalistas também são prejudicadas por serem vistas como frágeis e afastadas de coberturas arriscadas e pesadas. “Nós sabemos muito bem como estamos contribuindo e sabemos muito bem qual é o custo do jornalismo, mas é um custo que todos e todas devemos compartilhar igualmente. As nossas coberturas não devem ter cheiro de flores”, afirma.

Ortiz destaca que lidar com essas desigualdades de gênero é uma das “grandes reformas sociais, políticas e econômicas” que precisamos implementar. “Basicamente não é um tema legal, de recursos humanos ou de cultura organizacional, mas sim de Justiça, inclusão e democracia.”

As palestrantes reforçaram a importância de se promover uma diversidade real nas redações, em oposição ao que Arriagada chamou de uma “diversidade um pouco fake”.

“Há uma exploração da diversidade para o benefício do veículo. O que eu quero dizer: temos a colega indígena para cobrir temas indígenas… Nos EUA surgiu o tema racial e colocamos na frente todos os colegas negros e negras que trabalham ali para mostrar que o nosso meio é super diverso”, afirmou Arriagada.

Sobre esse ponto, Thiel destacou que a verdadeira diversidade também passa por pagar salários iguais para homens e mulheres nos mesmos cargos, além de aceitar as diferentes aparências femininas. Principalmente na televisão, disse ela, as jornalistas são vistas, muitas vezes, como um “vaso de flores”, com função de enfeitar a imagem.

“Eles pensam que os homens envelhecem com seriedade, então eles ficam bem com os seus cabelos brancos na televisão, e as mulheres têm prazo de validade. Ainda que haja muito mais mulheres nos meios de comunicação hoje, qual o papel que elas ocupam? Que não seja o de vaso de flores. (…) Devemos começar a normalizar uma imagem das mulheres tal como somos, sem discriminação não só de gênero, mas de idade e de aparência”, afirmou Thiel.

As palestrantes também discutiram a importância de criar novos modelos de redação que considerem estilos de liderança feminina e as necessidades das jornalistas que são mães. É preciso formular políticas para que a maternidade não seja “essa coisa estranha que acontece com as mulheres”, disse Thiel. “Temos que ter políticas específicas que permitam essa sustentabilidade e integração de um papel que a mulher tem biologicamente e a capacidade de crescer profissionalmente”, concluiu.